quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Um sonho bom

Como numa colagem cinematográfica, as imagens da minha vida vão se sucedendo cada vez mais rápido até que, como uma lâmpada fluorescente, tremulam rapidamente até se apagar por completo.

Acordo e parte de mim já sabe onde estou. O ambiente é gelado. O chão, as paredes, o teto, tudo é construído em aço inoxidável. O lugar é impecavelmente limpo. Mais do que isso, iluminado em excesso por luzes frias, ele é estéril. Não há cheiro, não há uma corrente de ar sequer. Muito diferente do que eu esperava, de tudo que já tinha lido. Isso o tornava ainda mais inquietante.

Visto apenas um avental verde claro, como esses que se usam em hospitais, e sinto frio. Estou de pé, numa longa fila que se estende por um corredor que não parece ter fim. Todos parecem apreensivos. Ninguém conversa. O silêncio só é interrompido pelos gritos. Tento de todas as maneiras ver o que acontece adiante, mas é impossível enxergar o que me espera. A ansiedade toma conta de mim. Cada silêncio se torna mais pesado e não consigo encontrar uma brecha para rompê-lo.

A fila não anda num ritmo previsível. A expectativa só faz piorar o frio, o tédio e a ansiedade, cada vez mais insuportável. Fico me perguntando o que eu teria feito para estar ali. Cada ação egoísta, cada decisão inconsequente que tomei, todas as vezes em que poderia ter sido mais gentil, mais amoroso, aquele tênis que comprei mesmo sabendo que foi fabricado por crianças em regime de semi-escravidão na Indonésia, tudo isso me passa pela cabeça. Não há nenhuma falta grave. Talvez seja apenas a soma desses pequenos delitos. E se for uma alguma coisa da qual eu nem lembro? Bem capaz de não ser nada disso, afinal ninguém sabe ao certo quais são os critérios.

Sou o próximo. Meu nome completo é chamado, de forma cordial. Caminho e me deito em uma cama de metal, pensando em todas as perguntas que gostaria de fazer. Mas não há respostas. Apenas procedimentos, regras, o sistema. Meu inferno é frio, estéril e burocrático. Um homem de aparência profissional se aproxima. Cuidadosamente prepara seus instrumentos de trabalho. Com a precisão e a assepsia que poderia se esperar de um cirurgião competente, ele me tortura enquanto cantarola uma música.

Não é tão ruim quanto eu achava que seria. E nem de longe tão ruim quanto a ansiedade de aguardar sem saber o que está por vir, de tentar em vão encontrar uma explicação racional para o porquê de estar ali. Nem sinto mais medo. Já acabou. Droga, a música ficou na minha cabeça.

Abro os olhos e estou no meu quarto. Me sentindo seguro, acordo com um estranho sorriso de satisfação no rosto. Para o meu próprio espanto, assobio uma canção. É... parece que essa noite tive um sonho bom.

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