quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A invasão dos vampiros que bebem água com açúcar

Os vampiros são figuras míticas do folclore mundial que nos fascinam há séculos, desde as primeiras lendas, transmitidas oralmente. A literatura e o cinema foram tomados, ao longo dos anos, por um sem número de histórias envolvendo estes personagens que se alimentam da força vital de outros, o que normalmente é representado pelo seu hábito de beber o sangue de suas vítimas. Mais do que isso, essas criaturas estão relacionadas no imaginário popular ao mistério, ao terror, ao sexo, à sedução e, principalmente ao desejo humano de resistir ao tempo e à morte, que são provavelmente os únicos limites que jamais conquistaremos.

No cinema, eles já foram explorados em centenas de filmes dos mais variados gêneros, que vão desde o clássico do expressionismo alemão Nosferatu (1922), de Murnau, à adaptações de obras literárias de sucesso, como Entrevista com o Vampiro (1994), do livro de Anne Rice, e Drácula (1992), adaptado a partir do romance de Bram Stoker sobre o mais famoso vampiro de todos os tempos. Se quiser, você pode conferir uma lista com os 70 melhores filmes de vampiros de todos os tempos, na opinião do autor, aqui.

Na televisão, tanto no Brasil quanto no exterior, os vampiros fizeram sucesso como protagonistas e antagonistas de novelas e seriados, com destaque para Buffy, a Caça Vampiros, que teve sete temporadas a partir de 1997 e ainda gerou spin-offs.

Mas os executivos responsáveis por produzir conteúdo para televisão e cinema operam na lógica capitalista moderna, que tem como um de seus pilares proteger seus investimentos através da busca do máximo de lucro com o mínimo de risco. Os públicos de TV e cinema diminuem. Assim, todos querem atingir os adolescentes, que são quem mais consomem produtos audiovisuais. Para Hollywood, em particular, isso significa atingir a 'mágica' classificação PG-13 no mercado norteamericano.

É evidente que histórias de vampiros vendem. O mistério, o sobrenatural vendem, são lucrativos. Mas a violência, o sexo e as questões morais complexas que acompanham estes personagens impedem os executivos de lucrar mais se arriscando menos. A solução é óbvia: adaptar obras que fizeram sucesso e que, de um jeito ou de outro, abandonaram as questões controversas que incomodam uma sociedade cada vez mais conservadora. Se deixa de lado o sangue, o terror, a sexualidade, as implicações morais do ato de se alimentar da vida de alguém até que não reste mais nada além de um romance adolescente devidamente reprimido que, com a dose certa de publicidade e o casting adequado, vai arrebatar adolescentes ao redor do mundo, garantindo os lucros exorbitantes dos investidores de filmes como esses da saga Crepúsculo. E, pela lógica do capitalismo e do consumo, quando um produto faz sucesso, o mercado é inundado por similares que geralmente conseguem ser piores do que o original, como essa série que a Warner exibe agora, Diários de Vampiro.

Como nem tudo está perdido, ainda há quem encontre espaço para produzir livros, filmes e séries com a verdadeira essência dos vampiros, ou ainda com uma visão original que consiga preservar os dilemas que permeiam o universo de homens e mulheres imortais que pagam um alto preço por esse dom. True Blood, seriado da HBO americana, encontrou nos livros de Charlaine Harris material rico e não se absteve de levar para as telas questões morais, sociais e políticas de forma tão adulta e crua, que é recomendado para maiores de 18 anos. Mesmo assim, faz enorme sucesso. Daybreakers (2010) aposta no gênero sci fi e parece propor a inversão de alguns paradigmas pra trazer algo de novo para as histórias de vampiros sem abandonar seus conceitos básicos, ainda que seja um blockbuster. Estreia ano que vem. Vamos esperar. Por fim, o aclamado sueco Deixe Ela Entrar (2008), de Tomas Alfredson, baseado no livro e com roteiro de John Ajvide Lindqvist, é um dos mais belos filmes que vi nos últimos tempos. Em cartaz nos cinemas, é simplesmente imperdível. Nem seria justo falar desse filme sem dedicar um post inteiro a ele.

Por isso, nesse final de semana, mesmo que não seja possível compará-los, se quiserem ver um filme sobre vampiros, vão conferir o sueco e, por favor, evitem os filmes de vampiros que se alimentam de água com açúcar, que me assustam muito mais do que os de verdade.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Lost In Translation

Peguei emprestado o título do excelente filme de 2003 da diretora e roteirista Sofia Coppola para contar um pouco do processo de adaptar Retrato de Família para uma língua estrangeira.

A adaptação desse roteiro de drama no qual já venho trabalhando há um tempo faz parte de um plano para tentar encontrar algum espaço no mercado internacional que, apesar de muito mais concorrido, tem também muito mais oportunidades.

O primeiro passo para iniciar esse trabalho foi olhar para a história como um todo e identificar nela o que precisaria ser modificado numa transposição para uma realidade estrangeira. Americana, no caso. Facilitou muito o fato desse drama ser basicamente uma história universal sobre a culpa e a perda. Uma história essencialmente humana que poderia se passar em qualquer lugar do mundo.

Depois, comecei a escrever, do zero, em inglês. O que parecia ser o mais difícil, os diálogos, acabaram vindo naturalmente. É claro que os personagens são pessoas comuns e isso ajuda bastante. Nada de intelectuais de vocabulário rebuscado ou o palavreado técnico típico de uma carreira científica, por exemplo. Se estima que o vocabulário que a maioria das pessoas utilizam para se comunicar verbalmente representa uma pequena fração das palavras existentes em uma dada língua. Talvez isso e o fato de já ter assistido tantos filmes e seriados expliquem essa grata surpresa.

Mas, como o título do post sugere, nem tudo são flores nesse processo. Assim como ocorre com os personagens de Bill Murray e Scarlett Johansson em Lost In Translation, a sensação de vazio e de solidão por vezes toma conta. Acho que é inevitável quando se está escrevendo em uma língua estrangeira, ainda que você esteja cercado de dicionários e ferramentas para apoiá-lo nessa tarefa. O que parecia ser fácil, as descrições de cena, acabaram se revelando um tremendo desafio. Isso porque, apesar de a prosa audiovisual ser enxuta e estritamente visual, de vez em quando a palavra mais interessante falta, a melhor construção escapa. Não é que não haja palavras no meu vocabulário, ou referências e regras para a construção gramatical adequada. É que, versátil como poucas, a língua inglesa permite ao interlocutor uma miríade de opções na hora de formar orações e sentenças. E é preciso fluência, experiência e sensibilidade na hora de escolher a forma mais elegante e instigante de descrever algo tão simples quanto alguém que se levanta de sua mesa e atravessa um ambiente.

Aos poucos, eu chego lá.