terça-feira, 20 de outubro de 2009

Crítica:: Besouro se esquiva das armadilhas

Quando assisti pela primeira vez o trailer de Besouro, fiquei extremamente empolgado com a qualidade visual do filme, que conta com a bela fotografia de Enrique Chediak, e claro, com as cenas de luta de capoeira, coreografadas por Hiuen Chiu Ku (O Tigre e o Dragão, Kill Bill). Fui à pré-estreia com uma grande expectativa em relação ao filme. Para a minha surpresa, o primeiro longa metragem do premiado diretor de filmes publicitários João Daniel Tikhomiroff, que já conquistou 11 Leões de Ouro no Festival Internacional de Filmes Publicitários de Cannes, é mais do que isso.

Desde o princípio, o diretor estabelece um diálogo com o espectador através do bem pensado uso da câmera em primeira pessoa e da narrativa pouco linear. Assim, ele constroi um clima que contribui para a espécie de fábula que vai sendo contada em imagens. O simbolismo com os elementos da capoeira e dos orixás do candomblé, materializados por elenco e departamento de arte competentes, contribuem para fazer você entrar no filme, assim como a bela trilha musical com participação de Gilberto Gil e Nação Zumbi.

O elenco todo vai bem e os atores que representam os antagonistas se destacam. Irandhir Santos está irrepreensível como Noca de Antônia, assim como Flávio Rocha, no papel do Coronel Venâncio. Jéssica Barbosa e Anderson Santos de Jesus estão ótimos como Dinorah e Quero-quero, esse último ganhando força ao longo da trama. Aílton Carmo teve um grande desafio. Besouro é um personagem difícil de interpretar, com poucas falas e muitos momentos de introspecção. Mesmo assim, ele dá conta do recado e consegue dar veracidade e profundidade às ações do capoeirista.

A história começa com informações importantes na narração de Milton Gonçalves que ficam redundantes com o uso das cartelas. A trama se inicia num ritmo mais lento e arrastado, mas depois engrena e prende o espectador na poltrona até o final da projeção. Em muitos momentos e em especial no clímax, o diretor opta por uma não-linearidade narrativa que é interessante para a obra, mas que corre o risco de perder uma audiência menos atenta às sutilezas do filme.

As cenas de luta são um capítulo à parte. São as mais bem coreografadas, dirigidas e fotografadas que eu já assisti no cinema nacional. As opiniões de capoeiristas experientes sobre como o filme mostra sua arte foram muito positivas. Na que pra mim é uma das melhores cenas do filme, Besouro e Dinorah fazem um jogo absolutamente delicioso num contexto de sedução e cumplicidade que é emoldurado pela capoeira. Um momento lindo que será melhor apreciado por quem está familiarizado com alguns dos rituais e tradições dessa mistura de arte marcial com dança, música e expressão cultural considerada hoje patrimônio nacional.

Besouro consegue ser genuinamente brasileiro sem ser folclórico demais, um erro recorrente no cinema nacional. Tem ação sem abandonar as sutilezas e transmite uma mensagem sem ser político ou hermético. Seus criadores parecem ter conseguido se esquivar de todas essas armadilhas para produzir um bom filme.

Você pode acessar o site oficial aqui e assistir o trailer de Besouro abaixo:

sábado, 10 de outubro de 2009

Torcendo pelo pior

Outro dia estava assistindo Stock Car Brasil na televisão e curiosamente me peguei torcendo por uma batida, um acidente, uma rodada. Torcendo, enfim, pelo pior. Não que isso seja exclusividade minha. Os americanos assistem à NASCAR, a stock car americana, torcendo por um evento catastrófico e vibrando com ele, contanto que ninguém se machuque seriamente. Não é que sejamos pessoas ruins. É uma reação apenas humana.

Em "Três Usos da Faca", excelente livro do cineasta americano David Mamet sobre as estruturas dramáticas e como nós, seres humanos, nos relacionamos com elas, Mamet diz que procuramos sempre trazer o drama para nossas vidas. Quando nos relacionamos com o mundo, automaticamente procuramos enquadrá-lo em uma estrutura e nos identificamos com os protagonistas e com suas ações por intermédio de suas características humanas. E não há nada mais humano do que o erro.

Por isso o esporte é dramático por natureza, mesmo que a maioria de seus eventos se organizem em mais ou menos atos do que os três da estrutura aristotélica clássica.

Talvez esteja aí explicado o sucesso de público das categorias de stock car, onde os carros são mais equilibrados, mais numerosos, os pilotos podem se tocar e estão muito mais propensos a errar, especialmente se compararmos às corridas de monoposto, como a F-1.

Torcemos pelo acidente, pelo erro e pela batida não pelo possível efeito plástico que será capturado por inúmeras câmeras de alta definição e que veremos diversas vezes em câmera lenta. Torcemos pelo pior para nos aproximar dos protagonistas, nos identificarmos com eles num nível mais essencial, nos colocarmos em seus lugares e para, como sempre, tentar colocar um pouco mais de drama em nossas vidas.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Na ponta da cadeia

O discurso de produtores, roteiristas e diretores presentes no RioMarket está afinado: precisamos de mais filmes de sucesso para fortalecer o cinema nacional. E para isso, não existe fórmula secreta. O que faz diferença é um produto de qualidade. E no caso do cinema e do audiovisual em geral, isso começa invariavelmente com uma boa história. Sem um bom roteiro, nem o mais talentoso dos diretores é capaz de fazer um bom filme.

É aí que surge parte do problema do mercado cinematográfico nacional: é difícil encontrar boas histórias. Não é que não tenhamos roteiristas competentes ou talentosos. Muito pelo contrário, temos excelentes profissionais e poucas oportunidades. Isso porque, segundo representantes das maiores produtoras do cinema nacional, eles estão estrangulados financeiramente. Por isso, sobram poucos recursos para investir no desenvolvimento dos projetos, o que faz com que roteiros crus e, em alguns casos, até mesmo roteiros ruins cheguem aos cinemas brasileiros, o que é ajudado, em parte, por conta de uma política de incentivos que, durante muito tempo, não deu nenhuma importância aos resultados nas bilheterias.

Depois que um projeto se inicia, custa muito caro abandoná-lo, mesmo que aquela história não vá render tanto quanto deveria. Do mesmo modo, custa muito caro pros produtores, na atual situação, bancar o desenvolvimento dos projetos durante um grande período de tempo. Um roteiro de cinema é como uma pedra preciosa, que tem que ser lapidado até chegar ao ponto de ser filmado. Isso demanda tempo e profissionais de qualidade. E esses dois fatores custam dinheiro.

Outra questão é que, sem a devida atenção aos roteiristas, fica mais difícil formar novas gerações de profissionais especializados nesse segmento da indústria cinematográfica. E parece estar bem claro para todos os envolvidos que precisamos cada vez mais desses profissionais.

Só pra se ter uma ideia, um dos palestrantes do RioSeminars citou o cinema americano como exemplo de desenvolvimento de projetos. Lá, para cada filme que chega aos cinemas, os grandes estúdios desenvolvem, em média, 50 projetos. É claro que essa peneira ainda deixa passar roteiros de qualidade duvidosa, mas certamente contribui para o sucesso comercial da cinematografia dos EUA no resto do mundo.

Ainda falando em números, uma rápida consulta ao site da WGAW (Writers Guild of America - West), um dos dois sindicatos que regulam a profissão de roteirista naquele país, permite verificar que no ano de 2008, 1.716 roteiristas declararam ter trabalhado nos 610 filmes lançados nos EUA naquele ano. No Brasil, em 2007, segundo dados da ANCINE (os de 2008 ainda não estão no site), 78 longametragens chegaram às salas de cinema. A ARTV (Associação Brasileira de Roteiristas Profissionais de TV, Cinema e outros Meios de Comunicação) tem cerca de 100 associados. Mesmo não sendo obrigatório ser filiado à ARTV ou ao STIC (Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Cinematográfica) para trabalhar na área, não acredito que esses 78 filmes tenham empregado mais que 150 roteiristas no ano de 2007.

Numa indústria, temos empregados especializados em funções definidas. Essa é a base dos modernos sistemas de produção e agora o audiovisual brasileiro parece estar começando a se preocupar com isso. Todos almejam fazer produtos de qualidade para obter o desejado sucesso comercial, o que é louvável. Para isso, é preciso investir na ponta da cadeia produtiva, no profissional que entrega aos seus companheiros a matéria prima com a qual bons filmes são feitos. Sem investir no desenvolvimento de roteiros, é impossível criar uma indústria audiovisual forte e saudável no Brasil. Ou, na minha opinião, em qualquer outro lugar do mundo.

PS.: O site da ARTV tem um texto de interesse sobre o assunto tratado por esse post. Clique aqui para acessar.

Precisamos de cinema pipoca

Estive na última semana envolvido com o Festival do Rio. Quase não assisti a nenhum filme, mas procurei participar ativamente do RioMarket, o evento paralelo que discute negócios e o mercado do audiovisual nacional e internacional. Acho de fundamental importância discutirmos o cinema brasileiro para que possamos construir um futuro melhor para ele e, por tabela, para nós, profissionais da área.

Os três primeiros dias do evento foram abertos a quem se inscrevesse com antecedência pela internet e, para minha surpresa, estavam relativamente vazios.

O primeiro dia teve como tema o financiamento do audiovisual, com destaque para a apresentação do presidente da ANCINE, Manoel Rangel. Ele descreveu com muito eloquência o panorama do mercado brasileiro atual e, principalmente, demonstrou ter visão de pra onde ir a seguir. Foi muito interessante também a apresentação do Rio Audiovisual, um ambicioso programa de revitalização e incentivo a audiovisual carioca, parceria da Secretaria de Cultura do Estado e de uma renovada RioFilme, sob o comando do competente Sérgio Sá Leitão.

O segundo dia trouxe representantes de duas das maiores produtoras nacionais, a Conspiração Filmes e a Total Entertainment, além de Paula Lavigne, uma produtora independente de peso no cenário nacional. Eles se revezaram para falar dos filmes de sucesso no Brasil nos últimos anos. O sábado ainda contou com uma mesa intermediada por Rodrigo Fonseca, em que Mariza Leão, produtora e roteirista, e René Belmonte, roteirista, falaram sobre escrever filmes de sucesso no Brasil.

O terceiro dia foi mais voltado para a televisão, com representantes da Globo e da Record discutindo como escrever o que o espectador quer ver e como produzir sucessos de audiência. Destaque para a presença de Roberto Farias, híbrido de cineasta e homem de TV, segundo palavras do próprio.

O que ficou desses primeiros dias de discussão é que, se quisermos ter uma indústria cinematográfica auto-sustentável e saudável, capaz de produzir em quantidade e qualidade e de absorver a mão de obra disponível no mercado, temos que investir em filmes que tragam retorno financeiro. É reinvestindo esses recursos no mercado que iremos transformar a realidade atual. Precisamos de filmes de sucesso. Precisamos de blockbusters.

PS.: A fotografia que ilustra o post é da galeria do Festival do Rio no Flickr. Lindas fotos. Confiram.