No dia 14 de Janeiro, apenas quatro dias antes do meu aniversário, tive o privilégio de assistir o documentário Só Dez Por Cento É Mentira - A Desbiografia Oficial de Manoel de Barros numa sessão do Folha Documenta, no Cine Bombril, em São Paulo. Passei as duas últimas semanas entre a correria do dia-a-dia de quem acabou de se mudar e a sensação inquietante de não conseguir encontrar as palavras certas para escrever sobre esse filme. Foi aí que percebi que, se é que aprendi algo com esse filme de título intrigante que conta a história desse fantástico poeta sul-matogrossense, é que não existem palavras certas.
Pra começar, enquadrar o filme em uma classificação é um desafio. Diria que o filme do diretor Pedro Cezar foi classificado como documentário quase que por eliminação. Extremamente criativo, como a figura que retrata, o filme é mais do que isso. Me arrisco a dizer que o longametragem de 76 minutos de duração carrega consigo um pouco da personalidade do recluso Manoel de Barros. O filme é inventivo, lúdico e bem humorado, mas principalmente, não se restringe a nenhum dos paradigmas dos gêneros cinematográficos. Os realizadores se permitiram romper esses limites e esse talvez tenha sido o seu maior acerto.
Mas nem de longe foi o único. Muito pelo contrário. Só Dez Por Cento é Mentira é de um apuro visual fantástico. Ele flerta com a poesia visual sem se tornar hermético e apresenta a obra do poeta como ela foi concebida: pra ser lida, em inserções de texto, sem narração. A impecável direção de arte de Marcio Paes e a belíssima fotografia de Stefan Hess compõem esse ambiente onírico onde o sentido das palavras (e das imagens) é muito menos importante do que elas mesmas. A fotografia, a poesia de Manoel de Barros e as entrevistas são costuradas pela música de Marcos Kuzka, que conduz o espectador sem influenciá-lo demais.
Confesso que não conhecia a poesia de Manoel de Barros. E confesso que, apesar do prêmio de Melhor Documentário conquistado pelo longa no II Festival Paulínia de Cinema, pouco tinha lido sobre o filme. Talvez esses dois fatores tenham tornado essa experiência (por falta de uma palavra melhor) ainda mais interessante. Para um sujeito pragmático como esse que vos escreve, a proposta do poeta de transver o mundo é fascinante. Um sujeito que comparece aos próprios desencontros merece o nosso respeito e admiração. Fui assistir um documentário e acabei levando uma verdadeira lição que me mostrou o quanto enxergamos o universo que nos cerca de maneira pequena e pouco generosa. Assistir a um filme que não só registra a obra de Manoel de Barros, mas que se investe dela e que a incorpora para retratá-la só torna a experiência ainda mais interessante. Só Dez Por Cento É Mentira - A Desbiografia Oficial de Manoel de Barros deveria ser obrigatório para crianças e adultos de todas as idades.